1. A ausência de decisão acerca do art. 5º da Lei nº 8.009 de 1990, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial.
2. A penhora no rosto dos autos, prevista no art. 674 do CPC, é causa de ameaça de turbação da propriedade, acarretando à parte os...... (clique em "mais informações" para ler mais)
3. O fato da constrição ter recaído sobre a totalidade da herança não impede a proteção de um bem específico, parte do todo.
4. Há interesse de agir na oposição de embargos de terceiro pela viúva meeira, ainda que sua meação esteja reguardada.
5. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 28 de setembro de 2010(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RELATÓRIO
Cuida-se recurso especial interposto por L S S, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional.
Ação: embargos de terceiro, opostos pela recorrente em face de B T DE O S, na qual requer a desconstituição da penhora que recaiu sobre o imóvel em que reside. Segundo narra-se na inicial, a recorrente foi casada com o genitor da recorrida, Sr. RAS, falecido em 20/04/2002. O de cujus figurava como réu na ação de execução alimentícia que lhe movia a recorrida, a qual, após o óbito do pai, requereu a abertura do inventário, com o fito de substituir o polo passivo da ação executória pelo espólio do Sr. R, representado pela inventariante, ora recorrente.
No ano de 2002, foram penhorados, nos autos da execução de alimentos, três bens pertencentes ao espólio, quais sejam: um automóvel Ford Escort GL, avaliado em R$ 12.000,00 (doze mil reais), um apartamento situado no Cruzeiro Novo - DF, avaliado em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) e um
apartamento localizado na Octogonal - DF, avaliado em R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais). Ocorre que, nesse último imóvel, residem a recorrente e seus dois filhos, frutos da união com o Sr. RAS. Os embargos de terceiro visam à desconstituição da penhora do bem situado na Octogonal, alegando a recorrente que é meeira de 50% do imóvel, cuja constrição não se pode efetivar em virtude da indivisibilidade que lhe é inerente e da sua caracterização como bem de família. (fls. 02/16)
Sentença: extinguiu o processo, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 267, VI, do CPC. Entendeu o Juiz que não há interesse da recorrente em ajuizar os embargos de terceiro, porquanto o bem foi objeto de penhora apenas no rosto dos autos. A constrição, ademais, não recaiu especificamente sobre o imóvel da Octogonal, mas sobre a universalidade da herança, e a meação da recorrente está resguardada. (fls. 202/203)
Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela recorrente.
Segundo o TJ/DFT, “a penhora incidiu sobre a universalidade da herança deixada pelo devedor, não importando em constrição específica sobre o imóvel descrito pela embargante, ou sobre sua meação, que permanece resguardada” (fls. 254).
Afirmou que, ausente o interesse de agir, fica prejudicada a análise acerca da impenhorabilidade do bem de família. O julgado foi ementado nos seguintes termos:
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO DE CRÉDITO ALIMENTÍCIO. PENHORA SOBRE UNIVERSALIDADE DOS BENS DO ESPÓLIO. POSSIBILIDADE.
AUSÊNCIA DE INTERESSE DA EMBARGANTE QUE VISA DESCONSTITUIR CONSTRIÇÃO DE IMÓVEL QUE NÃO RESTOU PENHORADO. MEAÇÃO DO CÔNJUGE RESGUARDADA. RECURSO IMPROVIDO.
Os embargos de terceiro tem como objetivo livrar o bem do embargante da constrição judicial.
Ausente o interesse de agir quando a embargante busca desconstituir constrição incidente sobre imóvel que não chegou a ser penhorado, vez que o gravame recaiu sobre a universalidade da herança deixada pelo alimentante.
Recurso improvido. (fls. 251)
Embargos de declaração: interpostos pela recorrente, foram rejeitados. (fls. 266-270)
Recurso especial: alega violação dos arts. 3º e 1.046 do CPC; e 5º da Lei 8.009/90. Sustenta que o imóvel em que reside, mesmo resguardada sua meação na herança, será penhorado para garantir a dívida alimentícia do de cujus, porque o valor dos dois outros bens que formam o espólio é insuficiente para saldar a dívida. Inevitavelmente, o apartamento onde mora será objeto de
constrição, ainda que parcial.
A indivisibilidade inerente ao imóvel, todavia, conduz à sua penhora integral e, como se trata de bem de família, vislumbra-se o interesse de agir da recorrente, não afetado pelo fato de a penhora recair apenas sobre a universalidade da herança. Invoca a existência de condomínio sobre o imóvel em
questão, formado entre a recorrente e o espólio e acrescenta que o direito à moradia, previsto constitucionalmente, a legitima à oposição de embargos de terceiro. (fls. 273-288)
Prévio juízo de admissibilidade: após a apresentação das contrarrazões da recorrida, foi o presente recurso especial inadmitido na origem (fls. 297-299). Dei provimento ao agravo de instrumento para melhor análise da questão e determinei a subida dos autos ao STJ.
Parecer do MPF: o i. Subprocurador-Geral da República Dr. Pedro Henrique Távora Niess opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 349-354).
É o relatório.
VOTO
Cinge-se a lide em determinar se a viúva meeira possui interesse de agir na oposição de embargos de terceiro para evitar a constrição sobre o imóvel em que reside, partindo-se das seguintes premissas: i) a constrição recaiu sobre a universalidade da herança, penhorado o imóvel no rosto dos autos, para garantir
dívida alimentícia pertencente ao marido da recorrente, já falecido; e ii) sua meação está resguardada.
I – Do prequestionamento
A matéria jurídica versada no art. 5º da Lei 8.009/90 não foi debatida no acórdão recorrido, de modo a evidenciar o prequestionamento, requisito de admissibilidade do recurso especial.
Segundo o TJ/DFT, a conclusão de que a recorrente carece de interesse de agir na oposição dos embargos prejudica a discussão acerca da caracterização do imóvel como bem de família.
Assim, embora a tese jurídica de que a constrição recairá sobre bem de família permeie as razões do recurso especial, não houve pronunciamento das instâncias ordinárias acerca dessa peculiaridade do imóvel.
Incide, na espécie, a Súmula 211/STJ.
II – Do interesse de agir nos embargos de terceiro
Na hipótese em apreço, cabe aferir se a viúva meeira possui interesse de agir na oposição de embargos de terceiro, visando afastar a penhora do imóvel em que reside, realizada para fins de garantia de débito alimentício contraído por seu falecido esposo.
O TJ/DFT utilizou dois fundamentos para afastar o interesse de agir da recorrente: i) o imóvel, um apartamento na Octogonal-DF, sofreu penhora apenas no rosto dos autos, por força da constrição sobre a universalidade da herança deixada pelo devedor, e não sobre o bem específico que a viúva intenta
proteger; e ii) a meação está resguardada.
A jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que são cabíveis embargos de terceiro de forma preventiva, quando o terceiro estiver na ameaça de sofrer turbação ou esbulho do bem de sua propriedade. Nesse sentido: REsp 1.019.314/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, Dje de 16/03/2010, REsp 751.513/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de
21/08/2006, esse último assim ementado:
Embargos de terceiro. Ameaça de turbação com expedição de mandado ainda que não cumprido. Precedentes da Corte.
1. Como assentado em precedentes da Corte, admissível a utilização dos embargos de terceiro "para evitar a consumação de ordem judicial, já instrumentalizada em mandado, ainda que não tenha havido concreta turbação da posse" (REsp n° 1.702/CE, Relator o Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 9/4/90; REsp n° 389.854/PR, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo, DJ de 19/12/02).
2. Recurso especial não conhecido.
A penhora no rosto dos autos, prevista no art. 674 do CPC, é causa de ameaça de turbação da propriedade, acarretando à parte os mesmos ônus de uma efetiva penhora direta sobre seu patrimônio e legitimando a utilização das defesas processuais disponíveis.
A possibilidade de oposição de embargos de terceiro pela viúva meeira, ainda que a penhora física do bem não haja ocorrido, justifica-se também em face da consagração da tutela inibitória no ordenamento jurídico pátrio.
Cumprindo os postulados da efetividade processual, consolidou-se a ideia de que não é mais necessário que ocorra a efetiva violação de um direito para que surja o interesse de protegê-lo. Basta ao autor demonstrar a verossimilhança do perigo que lhe possa atingir para que acione os mecanismos
adequados a evitar que o ilícito se concretize.
Na situação em apreço, a penhora no rosto dos autos recaiu sobre bens do espólio, entre os quais o apartamento onde reside a recorrente. Ainda que a constrição haja ocorrido sobre a totalidade da herança, é certo que isso não impede a proteção de um bem específico, que faz parte do todo.
Há que se entender o interesse de agir, enquanto condição da ação, como aquele legítimo de natureza econômica ou moral. Na hipótese em apreço, vislumbra-se o interesse de agir da recorrente, ainda que sua meação esteja resguardada, pois, tratando-se de bem indivisível, caso a penhora sobre ele recaia,
o atingirá em sua integralidade, evidenciando a turbação da posse, hoje plena sobre o imóvel, decorrendo daí a interferência em seu direito à moradia, constitucionalmente assegurado, nos termos do art. 6º, caput, da CF/88.
Conforme a teoria da asserção ou prospectação, os fatos devem ser considerados assim como enunciados pela petição inicial, relegando-se o exame da sua veracidade para momento posterior, qual seja, a fase instrutória do processo civil, oportunidade em que propriamente se discutirá o mérito da ação,
atestando se a autora tem, ou não, o direito que pretende ver reconhecido.
O art. 3º do CPC não se refere ao direito material alegado. Apenas exige que a ação seja proposta por aquele que alega ser titular do direito violado.
Neste momento processual, igualmente, não se discute o direito material subjacente, mas tão só a possibilidade da viúva defender, judicialmente, a integralidade de sua posse.
Sob esse prisma e aplicando-se a teoria da asserção, a leitura dos fatos narrados na petição inicial permite concluir pela existência do interesse de agir com a oposição dos embargos de terceiro, consubstanciado na iminente ameaça de perda do imóvel em que reside a viúva, em virtude de débito alimentício contraído por outrem.
Conclui-se, dessa forma, que o acórdão recorrido, ao manter a extinção do processo sem resolução de mérito, com base no art. 267, VI, do CPC, violou os arts. 3º e 1.046, do mesmo diploma legal.
Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para cassar o acórdão recorrido e declarar que a recorrente possui interesse de agir na oposição dos embargos de terceiro. Determino o retorno dos autos ao TJ/DFT para que se prossiga na esteira do devido processo legal.
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso
Sanseverino e Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) votaram com a Sra.
Ministra Relatora.
Brasília, 28 de setembro de 2010
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Maria da Glória
Perez Delgado Sanches
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