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domingo, 14 de outubro de 2007

PESQUISA - RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

A Relativização da Coisa Julgada
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por Antônio Henrique Lindemberg Baltazar
(18/05/2005)
I-Conceito:
A coisa julgada material é a qualidade da sentença que torna imutáveis e indiscutíveis seus efeitos substanciais. Verifica-se após o trânsito em julgado da decisão, ou seja, quando há a impossibilidade da impetração de qualquer recurso.
II-Coisa Julgada e princípio da proporcionalidade
Em nosso ordenamento jurídico este instituto sempre foi tido como um direito absoluto, sendo vedada a sua desconstituição frente à inovação legislativa. Assim, prevê a Constituição Federal que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI). Os adeptos desta interpretação, a qual fornece o caráter absoluto da coisa julgada material, baseiam-se no princípio da segurança jurídica, alegando a injustiça da modificação de um direito já incorporado no patrimônio jurídico do indivíduo.
Contudo, uma parte da doutrina mais contemporânea vem sustentando o caráter relativo da coisa julgada, isto é, em alguns casos, em virtude do princípio da proporcionalidade, quando se verificar a existência de um conflito aparente de normas constitucionais, poderia haver a necessidade de o dogma da imutabilidade ter seu alcance reduzido. Deste modo, na existência de incompatibilidade aparente de normas constitucionais, em virtude da inexistência de direitos absolutos, a constatação da norma que merece prevalência dependerá da análise do caso concreto, pois é o caso concreto que guiará o aplicador na decisão de qual regra será aplicada. Entretanto, apesar de toda a discussão sobre a possibilidade ou não de se relativizar o dogma da irretroatividade das leis frente à coisa julgada, hodiernamente, já encontramos em nosso ordenamento jurídico duas situações onde a coisa julgada será preterida frente à ocorrência destas situações.
III-Lei penal mais benéfica e a relativização da coisa julgada
Inicialmente encontramos a norma constitucional inserta através do art. 5º, XL que prevê uma espécie de relativização da coisa julgada, ao dispor que a lei penal mais benéfica possua retroatividade de modo a alcançar aquele que já tenha sido condenado e, eventualmente já esteja até cumprindo a pena, ou seja, alcançando uma sentença já transitada em julgado. Como exemplo, podemos citar o crime de adultério que foi revogado pela lei 11.106, de 2005. Se alguma pessoa tivesse sido condenada por sentença judicial transitada em julgado e estivesse cumprindo pena pelo crime de adultério, após a promulgação desta lei haveria a imediata extinção da punibilidade do crime (art. 107, III do Código Penal), alcançando, então aquela condenação proveniente de uma sentença judicial transitada em julgado.
IV-O art. 741 do Código de Processo Civil e a coisa julgada
Em um segundo momento é necessária a análise do artigo 741, parágrafo único do Código de Processo Civil. O citado artigo em seu inciso II prevê a possibilidade de se impetrar embargos à execução por inexigibilidade do título e em seu parágrafo único define que “para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal”, ou seja, de acordo com esta norma, se, após o transito em julgado de uma sentença judicial, já na fase de execução daquele titulo judicial, houver a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal da lei que fundamentou a sentença prolatada, esta sentença será considerada inexigível, podendo ser embargada. Merece relevo que, se após a fase de execução, o Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade de uma lei, esta declaração não atingirá os casos já julgados com base naquela lei que antes da declaração emanada pelo STF era constitucional e que posteriormente tornou-se inconstitucional, tudo em homenagem à segurança jurídica.
V-Exame de DNA nas investigações de paternidade e seus efeitos sobre a coisa julgada
Após o surgimento do exame de DNA, houve a possibilidade de realização de nova perícia médica para determinação do estado de filiação, prova esta que nos traz uma certeza bem próxima da incontestabilidade. Deste modo, inicia-se uma discussão sobre a desconstituição da coisa julgada, em virtude da existência de um novo modo de elaboração de prova, até então inexistente, que é capaz de comprovar o estado de filiação. Conforme pesquisas científicas, o exame de DNA determina com uma certeza quase absoluta (99,999 %) a paternidade.
No cotejo entre a ação de investigação de paternidade e a coisa julgada pode haver colisão entre direitos fundamentais, no caso entre o direito à segurança jurídica decorrente da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, C.F.) e o direito fundamental da criança à dignidade, ao respeito e à convivência familiar (art. 227, "caput", C.F.). Qual deles deve prevalecer? Quando do conflito aparente de normas constitucionais a solução fica por conta da jurisprudência, que realiza a ponderação dos bens envolvidos, visando a resolver a colisão através do sacrifício mínimo dos direitos em jogo, de forma a permitir a máxima eficácia das normas constitucionais em prol da unidade orgânica do texto ordenador da sociedade.
Assim, a jurisprudência pátria, ainda muito incipiente, e a doutrina nacional começam a apontar o caminho que deve ser seguido, deste modo, apontáramos algumas idéias consolidadas de diversos pensadores:
• Para alguns doutrinadores não seria necessária a impetração de ação rescisória, com vistas ao novo julgamento da ação de investigação de paternidade, pois a decisão judicial que não exaurir os meios de prova não passa em julgado. Este entendimento tem a finalidade de possibilitar o rejulgamento daquelas decisões já transitadas em julgado há mais de dois anos, pois este é o prazo onde será possível a proposição de ação rescisória, conforme art. 495 do Código de Processo Civil (O direito de propor ação rescisória se extingue em dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão).
• Há entendimentos no sentido de que a relativização da coisa julgada só ocorrerá nos casos em que a sentença não excluiu a paternidade de modo absoluto. Nestes casos, a paternidade não foi excluída e por isso não haveria razão para impedir a rediscussão da questão relativa à paternidade.
• Diferente será a solução, quando a sentença concluiu pela improcedência da ação em razão do laudo pericial ter excluído de forma absoluta a paternidade. Neste caso, há um pronunciamento judicial de certeza no sentido de que o réu não é o pai da criança, não sendo possível a rediscussão da questão.
• Também não será possível a rediscussão da causa nos casos em que a sentença, mesmo sem um juízo de certeza, tenha reconhecido a paternidade, pois a atribuição da paternidade a alguém, após o devido processo, não viola o princípio da dignidade humana e muito menos viola o direito fundamental do investigado.
• Utilização de ação declaratória (logo, imprescritível) de nulidade absoluta e insanável da sentença.
VI-Conclusão:
Por fim, nos resta salientar r que a solução pela flexibilização ou relativização da coisa julgada é excepcional e só pode ser invocada em situações "extraordinárias com o objetivo de afastar absurdos, injustiças flagrantes, fraudes e infrações à Constituição, sendo que a regra continua sendo a do respeito à coisa julgada material.








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RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA*
Murilo Sechieri Costa Neves
Agosto/2002
Coisa julgada material é a qualidade da sentença que torna imutáveis e indiscutíveis seus efeitos substanciais. Trata-se da intangibilidade do conteúdo da sentença, o que se verifica após o trânsito em julgado da decisão[1].
A coisa julgada material não se verifica, no entanto, em todas as sentenças. Pode-se dizer que só fazem coisa julgada as sentenças definitivas, ou seja, as decisões de extinção do processo com julgamento do mérito (art. 269 do CPC). Não estão sujeitas, contudo, a tal fenômeno as sentenças meramente terminativas (art. 267 do CPC), tampouco aquelas que, embora de mérito, apreciem relações jurídicas continuativas (alimentos, guarda, por exemplo), proferidas em processos cautelares, em procedimentos de jurisdição voluntária, ou as de improcedência por falta de provas nas ações coletivas (coisa julgada secundum eventum litis)[2].

Também não se pode esquecer que, para que haja coisa julgada, é indispensável que se tenham verificado os pressupostos processuais de existência. Caso contrário, embora haja uma aparência de sentença, ainda que de mérito, não terá havido verdadeiramente processo, tampouco coisa julgada.[3]
Resta saber o porquê de o sistema jurídico proteger[4] o comando da sentença com auctoritas rei judicatae. Já se acreditou que a sentença representasse a "revelação", pelo juiz, da verdadeira vontade da lei ou da absoluta certeza sobre os fatos decididos, e isso justificaria a imutabilidade de sua decisão final. Não se trata disso, contudo.
O fundamento da coisa julgada é puramente prático: evitar a perpetuação dos conflitos. Em outras palavras, a coisa julgada existe por uma questão de conveniência, já que é desejável que seja conferida segurança às relações jurídicas atingidas pelo efeito da sentença, na busca da paz na convivência social. Tal segurança, sem dúvida, é um valor a ser perseguido pela ordem jurídica.
A decisão judicial já acobertada pela coisa julgada pode, contudo, excepcionalmente ser impugnada pela ação rescisória, que tem por finalidade a desconstituição da decisão rescindenda. A possibilidade do manejo da ação rescisória, no entanto, restringe-se aos casos taxativamente previstos em lei (art. 485 do CPC) e à observância do prazo decadencial de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão.[5]
Decorrido o prazo, impera, em princípio, a coisa soberanamente julgada, ainda que a solução dada possa causar certa perplexidade.
Basta citar como exemplo a coisa julgada na ação de investigação de paternidade. Se, após os dois anos, surgir prova de que o autor não é filho do réu, nada poderá ser feito para atacar a procedência já decretada. O mesmo ocorrerá se surgir prova da filiação após o prazo da rescisória da sentença de improcedência.[6]
Em alguns casos, a busca cega pela segurança jurídica pode implicar, como se vê, o desprezo a outros valores também protegidos pelo sistema jurídico, como a justiça, a dignidade da pessoa humana, etc.
Há, sem dúvida, necessidade de se buscar uma adequação do instituto da coisa julgada à realidade do sistema jurídico como um todo. Para esse fim, tem-se lançado mão do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.
A sistematização visa impedir que sejam perpetuados os efeitos da chamada "coisa julgada inconstitucional", ou seja, evitar que uma decisão contra a qual não caiba mais qualquer recurso ou ação rescisória possa ferir, sob o pretexto de ser preservada a segurança jurídica, outros valores constitucionalmente protegidos.
Surge, assim, na doutrina e na jurisprudência[7], uma corrente que não reconhece caráter absoluto à coisa julgada.
A coisa julgada material ficaria condicionada ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. Afastar-se-ia, desta forma, a imunização de julgados que ofendessem a moralidade administrativa, o princípio do justo valor das indenizações em desapropriação, que fossem absolutamente injustas, já que existe a garantia constitucional de acesso a uma ordem jurídica justa, e assim por diante.
Resta saber quais são os meios processuais adequados para a impugnação das decisões pretensamente "inconstitucionais".
Indicam-se várias alternativas: a) propositura de uma ação idêntica à anterior, como se esta não existisse; b) resistência por meio de embargos de devedor (ou até exceção ou objeção de pré-executividade), quando proposta execução com base na decisão viciada; c) ampliação das hipóteses de admissibilidade da ação rescisória; d) utilização de ação declaratória (logo, imprescritível) de nulidade absoluta e insanável da sentença.
Por fim, não se pode esquecer que a solução pela flexibilização ou relativização da coisa julgada é excepcional e só pode ser invocada em situações "extraordinárias com o objetivo de afastar absurdos, injustiças flagrantes, fraudes e infrações à Constituição"[8]. A regra continua sendo - e é melhor que assim o seja - a do respeito à coisa julgada material.
________________________________________
* As principais idéias deste texto foram extraídas do artigo "Relativizar a coisa julgada material", de autoria de Cândido Rangel Dinamarco, publicado na Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, n. 55/56, p. 29-77.
[1] Esgotados os recursos cabíveis contra a sentença, ocorre o fenômeno da coisa julgada formal, ou seja, a impossibilidade de, naquele processo, voltar a ser discutida a decisão. Tal fenômeno assemelha-se mais à preclusão (chamada pela doutrina de preclusão máxima, já que esgotadas todas as faculdades processuais da parte) do que propriamente à coisa julgada. A coisa julgada formal é fenômeno endoprocessual.
[2] Verifica-se, no caso das ações coletivas, uma exceção à regra de que a improcedência faz coisa julgada material, seja qual for o motivo que a tenha justificado, o que impede a repropositura da ação.
[3] Nesses casos, a via impugnativa adequada não é a ação rescisória, mas, sim, a ação declaratória de inexistência da relação jurídica processual (querella nulitatis insanabilis), ou os embargos de devedor, ou até mesmo a utilização da exceção ou objeção de pré-executividade, conforme o caso. O exemplo é o da sentença proferida em processo em que houve falta ou nulidade da citação e revelia. Neste caso, não se pode falar em coisa julgada para o "réu", uma vez que para ele sequer existiu processo.
[4] Aliás, a coisa julgada conta com previsão expressa na Constituição da República, nos seguintes termos: "A lei não prejudicará (...) a coisa julgada" (art. 5.º, XXXVI). Na verdade, a previsão constitucional não se limita apenas a impedir que a lei possa retroagir de modo a ofender a coisa julgada. A proibição de ofensa à coisa julgada estende-se, por óbvio, ao Judiciário e às partes que não poderão desprezar a autoridade que dela emana.
[5] "O prazo decadencial de dois anos para a proposição de ação rescisória tem início na data do trânsito em julgado do acórdão, mesmo que este se limite a não conhecer do recurso interposto. Somente contar-se-ia o prazo em tela a partir do 15.º dia da publicação da sentença de primeiro grau na hipótese de ser o recurso interposto fora do prazo. Precedentes deste Superior Tribunal" (STJ - REsp n. 389.216/PR, j. 12.3.2002).
[6] Lembre-se, ainda, das execuções contra a Fazenda Pública relativas a indenizações por desapropriação em que, após o prazo de dois anos, verificou-se fraude nas avaliações ou equívocos sobre a área considerada na sentença que, em verdade, já pertencia ao próprio Estado.
[7] STJ - REsp n. 240.712/SP, rel. Min. José Delgado, j. 15.2.2000.
[8] DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit. p. 74.
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Como citar este artigo:
COSTA NEVES, Murilo Sechieri. Relativização da coisa julgada. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, ago. 2002. Disponível em: .
O dogma da coisa julgada – Hipóteses de relativização
A Editora Revista dos Tribunais acaba de publicar obra com o título supra, de cujos autores, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Mediana, recebi exemplar com gentil dedicatória.
Presto-lhes a homenagem da crítica, focando, neste artigo, a tese, sustentada no segundo capítulo, da inexistência da sentença, no caso de falta de condição da ação, bem como de pressuposto processual negativo. Dizem:
“A sentença que, equivocadamente, julga o mérito quando, a rigor, encontram-se ausentes as condições da ação, é um arremedo de sentença, pois a questão submetida ao juiz sequer poderia ter sido apreciada (v.g., no caso de sentença proferida entre partes ilegítimas” (p. 32).
(...)
“Os pressupostos processuais negativos, se existentes, acabam por gerar situação que se subsume à categoria da falta de interesse de agir. De fato, se o interesse de agir é noção que repousa sobre o binônomio necessidade-utilidade, já tendo sido formulado o pedido em ação anterior que, ou está em curso (= litispendência) ou já terminou, tendo a sentença transitado em julgado, não há como negar ser o autor da segunda ação carente de interesse de agir”.
Os autores corretamente esclarecem que a inexistência, de que se trata, é inexistência no mundo jurídico e não inexistência no mundo fático e apontam como exemplo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, hipótese que, aliás, deu origem à doutrina dos atos inexistente e não meramente nulos.
Na doutrina processual brasileira, a idéia de sentença inexistente deve-se a Pontes de Miranda, que aponta alguns poucos casos, aceitáveis como tais, em especial o da sentença proferida por quem não é juiz (pelo padre, pelo bispo, ou pelo delegado de polícia).
Pode-se, mesmo assim, duvidar da necessidade do conceito. A teoria dos atos inexistentes surgiu no Direito matrimonial francês, cujo sistema jurídico era taxativo na enumeração dos casos de nulidade do casamento, entre as quais não se encontrava a hipótese de união entre pessoas do mesmo sexo. Não se podendo afirmar que se tratava de nulidade, por falta de previsão legal, consagrou-se a teoria da inexistência: o vício seria ainda mais grave do que o de mera nulidade. Esta pode gerar efeitos (quanto aos filhos, por exemplo). Já a inexistência impede a produção de qualquer efeito jurídico.
No sistema processual brasileiro não há enumeração taxativa dos casos de nulidade, motivo por que bem se poderia dispensar a categoria dos atos processuais inexistentes. Mas como, bem ou mal, o próprio legislador faz referência a hipótese de inexistência, damos por existente a categoria dos atos inexistentes.
É preciso, então, distinguir a sentença inexistente da sentença nula e, para maior clareza, distingui-las, uma e outra, da sentença meramente rescindível.
A diferença pode ser traçada em algumas poucas linhas: a sentença inexistente é um nada jurídico. Pode existir no plano fáctico, mas não existe no plano jurídico, pelo que não produz qualquer efeito jurídico. Qualquer do povo, inclusive seu destinatário, pode desconsiderá-la. Assim, por exemplo, para retomar exemplo de Pontes de Miranda, ninguém, nem mesmo o condenado, é obrigado a dar atenção a uma sentença de condenação em perdas e danos, proferida pelo padre, pelo bispo ou pelo delegado de polícia.
As coisas já se passam diferentemente com a sentença nula. Ela existe e deve ser respeitada, se e enquanto não desconstituída. O mesmo Pontes de Miranda aponta como caso único de sentença nula a proferida contra réu revel, que não foi citado ou que foi nulamente citado. É sentença que produz efeitos se e enquanto não desconstituída, mas a desconstituição é possível a qualquer tempo, entre outros meios, por embargos à execução, como deixa claro o Código de Processo Civil.
Neste ponto, é preciso salientar o sentido diverso que assume a expressão “sentença nula”, conforme se tenha em vista processo em curso ou processo findo. É comum a decretação da nulidade de sentença, sobretudo em grau de apelação. Isso é perfeitamente correto, desde que se tenha em mente que o trânsito em julgado da sentença sana todas as nulidades. Daí por diante, já não cabe falar em sentença nula, mas em sentença rescindível. A melhor prova disso nos é dada pelo artigo 485, II, do Código de Processo Civil: a sentença, mesmo proferido por juiz impedido ou absolutamente incompetente, não é nula, mas rescindível, o que significa que, transcorrido o prazo decadencial de dois anos, será inimpugnável, por qualquer meio processual, tendo-se o que José Frederico Marques chama de “coisa soberanamente julgada”.
Já o inciso IV, do Código de Processo Civil, declara rescindível a sentença que ofende a coisa julgada, sendo, pois, contra legem, a afirmação dos Autores de que a hipótese é de sentença inexistente, pela existência de pressuposto processual negativo.
No que diz respeito à falta de condição da ação, é preciso redobrado cuidado. A doutrina e a jurisprudência brasileiras têm multiplicado as hipóteses de carência de ação. Os próprios Autores disso nos dão exemplo, afirmando faltar o requisito do interesse de agir a quem propõe ação, existindo coisa julgada. (Parece evidente, porém, que o vencido, a quem foi negado um bem da vida, tem todo interesse em renovar a ação. Há, sim, o impedimento da coisa julgada, o que é outra coisa, distinta da falta de interesse de agir, entendida como necessidade da tutela jurisdicional).
Em particular, no que diz respeito à impossibilidade jurídica do pedido, a doutrina dos Autores não seria tão perniciosa, se como tais se qualificassem apenas aqueles raros casos de verdadeira impossibilidade jurídica, como, por exemplo, o de condenação à prisão por dívida cambial. Entretanto, como há muito observou César Peluso, tende-se a qualificar como de impossibilidade jurídica casos de improcedência manifesta.
A essa altura, já se pode perceber a nocividade da doutrina sustenta pelos Autores. Qualquer do povo e, mais ainda, qualquer juiz, poderá desconsiderar, como um nada jurídico, qualquer sentença ou acórdão que haja acolhido pedido, a seu juízo, manifestamente improcedente ou que haja equivocadamente, em seu sentir, afirmado a presença do interesse de agir e da legitimação para a causa.
Alguém poderá lembrar a lição de Cândido Dinamarco, a respeito da preclusão hierárquica, a impedir que órgão inferior se contraponha a decisão de órgão superior. Mas tal decisão, do órgão superior, há de pelo menos existir, para que possa vincular o inferior.
É fácil perceber, então, que a combinação dessas doutrinas, a da inexistência dos atos processuais e a das condições da ação, é explosiva e ameaça o sistema jurídico. A doutrina de Liebman, aliás muito criticada, excluiu a coisa julgada das sentenças ditas de carência de ação. Exacerba-se agora essa doutrina, já por si duvidosa, negando-se essa qualidade também às sentenças que afirmam a presença das condições da ação.
O que se busca é tornar vulneráveis todas as sentenças, retirando-se a blindagem da coisa julgada. É expressivo, nesse sentido, o título da obra ora comentada: “O dogma da coisa julgada – Hipóteses de relativização”.
Não se nega que essa doutrina possa servir para corrigir eventual injustiça. Mas o que é preciso é indagar se ela é socialmente desejável, sendo útil para a generalidade dos casos. É preciso, em outras palavras, tratar dos efeitos sociais dessa doutrina. O que razoavelmente se pode esperar é a multiplicação e a eternização das demandas.
Na visão das partes, sentença injusta é a sentença desfavorável. Por uma fenômeno que só a Psicologia explica, a parte que começou com a consciência de que estava a mentir sobre a verdade dos fatos, acaba por se convencer de que eles ocorreram exatamente como os tem narrado. Se a matéria é de direito, a Hermenêutica é todo-poderosa. A parte passa a acreditar no seu direito, depois de ouvir o arrazoado de seu advogado. O resultado desfavorável é atribuído à ignorância do juiz, ou à sua má-fé, inclinação ideológica ou falta de atenção aos fatos e fundamentos da ação.
Trate-se, pois, de lutar contra a injustiça. Volte-se aos pretórios, tantas vezes quantas for possível, para que triunfe a Justiça. E, com esse discurso, as lides não terão fim e não se alcançará a desejada paz social.
Se isso eventualmente já ocorre com as sentenças existentes, o que não ocorrerá com as inexistentes?

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Comentários dos visitantes
Prof. Tescheiner:
Excelente a sua crítica à tão festejada obra (inclusive tendo concorrido a prêmio nacional de literatura). Infelizmente, em caso em que atuo, a coisa julgada inconstitucional foi usada como tese jurídica em razões de apelação em embargos à execução de sentença. Não bastasse o processo de conhecimento ter tramitado mais de 7 anos e o processo de execução por mais 4 anos, a parte adversa utilizou-se dessa "desculpa jurídica" para não cumprir o determinado judicialmente há tanto tempo.
Portanto, por experiência própria, há de se ter cuidado, muito cuidado com o manejo de tal tese jurídica, para que essa não seja causa (mais uma) de descrença no Judiciário.
Simone Hegele Bolson
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De: EUCLIDES FRANCISCO DE PAULA FILHO
Trata-se de um excelente trabalho. Congratulações ao seu eminente autor. Peço vênia para aproveitar este espaço para divulgar alguns absurdos do nosso judiciário. Temos vários juízes primários e de segundo grau que operam no TRT/RJ que parecem não ter nenhuma noção do que significam COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL, PRECLUSÃO, PRINCÍPIO DISPOSITIVO, PRINCÍPIO DA HIERARQUIA JUDICIÁRIA E OUTROS PRINCÍPIOS BASILARES DO PROCESSO CIVIL. Vamos a alguns exemplos prático: rescisão de laudo pericial(?) sequer acolhido, desconstituição de parcelas não concedidas por decisões declaratórias negativas (ex.: as que negam provimento a recursos de ambas as partes e não versam sobre o ponto alvejado), das que sequer apreciam o mérito etc. Tenho casos de juízes de 1.º grau que reformam decisões do TST, do STF e mesmo a coisa julgada material em benefício de empresa poderosa. Posso citar outra hipótese em que medida cautelar incidente de atentado contra a coisa soberanamente julgada praticado por uma empresa é julgada procedente, determinando o imediato restabelecimento do estado anterior da lide, isto é, devolução de verba salarial subtraída pelo empregador no curso da sua execução. Em vez de fazer cumprir a sua decisão, expedindo de pronto mandado executivo para pagamento do débito ao credor, faz o magistrado subir recurso ordinário(e estamos em execução no processo principal!), vindo a sua sentença a ser reformada favoravelmente ao empregador sem que purgasse ele previamente o atentado! São inúmeras as pérolas judiciárias que tenho em mãos. Dariam para compor um livro. Para não me alongar demais, devo dizer que essas pérolas passaram incólumes pelos crivos da Corregedoria regional e do Órgão Especial, que, corporativamente, referendaram as decisões cerebrinas e anômalas do órgão inferior, primando este por afrontar ostensivamente qualquer decisão superior que contrarie os seus estranhos interesses manifestos nos autos. Tudo se faz sempre no interesse do mais forte: a empresa, um conhecido e bilionário banco. Lamentável! Não é esse o Judiciário que queremos...
Em 16.09.05
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A relativização da coisa julgada no Direito Ambiental


Thiago Costa Monteiro Zandona
Advogado em Campo Grande –MS e Pós Graduando na Especialização em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável PUCPR

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Sumário:1. Introdução. 2. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre a relativização da coisa julgada no direito ambiental. 3. A questão ambiental: Teoria e Prática.. 4. Direito Ambiental: Conceito.. 5. Dano Ambiental. 6. Coisa Julgada. 7. A questão da relativização da coisa julgada. 8. Ocorrência da relativização da coisa julgada no processo civil 9. Ocorrência da relativização da coisa julgada no direito ambiental. 10 Conclusão. 11. Bibliografia
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1 – Introdução
O presente trabalho abordará em seu problema os temas do "ser" e do "dever-ser", bem como o dilema da Coisa Julgada no Direito Processual Civil e Ambiental.
Nesta exposição buscaremos colocar em discussão 04 (quatro) valores de grande importância para qualquer sistema jurídico: Segurança, Justiça, Ideologia e Modo de aplicação da teoria no campo prático.
Consiste este artigo em analisar o modo como a legislação ambiental é abordada pelo legislador e a aplicabilidade destas normas pela sociedade, e, em seguida, abordaremos os temas impacto ambiental e o instituto da coisa julgada.
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2 – Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre a relativização da coisa julgada no direito ambiental
Sobre a relativização da coisa julgada no direito ambiental as duas altas cortes do país assim se manifestaram sobre o tema:
"STJ - Superior Tribunal de Justiça 29/03/2004
ROMS-9629/PR
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 1998/0024829-3
Pelo exposto, entende-se ser quase inerente ao conceito de Direito Ambiental, enquanto tutela jurídica coletiva, a necessidade de relativizar-se a coisa julgada atendendo as peculiaridades de cada caso. Se assim não se entender, as gerações futuras e a sadia qualidade de vida apregoados na Carta Maior (art. 225 CF) ficarão muito prejudicadas, pois formalismo processualista não acompanha a mutação social.
RE 106931 / PR – PARANÁ
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CARLOS MADEIRA
Julgamento: 15/04/1986 Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA
Publicação: DJ DATA-16-05-86 PG-08188 EMENT VOL-01419-03 PG-00595
Ementa:
ADMINISTRATIVO. LICENÇA DE CONSTRUÇÃO. A INVALIDADE DO ALVARÁ CONCEDIDO PELA AUTORIDADE MUNICIPAL, POR AUTORIDADE ESTADUAL, TENDO EM VISTA A SUA ILEGALIDADE, A CONTRARIEDADE AO INTERESSE PÚBLICO E ATÉ POR DESCUMPRIMENTO DO TITULAR NA EXECUÇÃO DA OBRA, RETIRA A SUA PRESUNÇÃO DE DEFINITIVIDADE E O DESQUALIFICA COMO ATO GERADOR DE DIREITO ADQUIRIDO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.
Observação
VOTAÇÃO: UNÂNIME.
RESULTADO: NÃO CONHECIDO.
VEJA RE-85002, RTJ-76/1016, RE-93108, RTJ-100/351, RE-93651.
ANO:86 AUD:16-05-86
Alteração: 05/12/00, (MLR).
Dos julgados acima conclui-se que o meio ambiente prevalece sobre o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito.
Mas como e porque as Cortes brasileiras se manifestaram a respeito do tema? Como estas chegaram a tal entendimento?
Adianta abordar diretamente o assunto sem antes sabermos os conceitos e generalidades sobre o dano e direito ambiental, coisa julgada e sua relativização seja na seara processual e na ambiental? Não, no momento em que abordarmos estes tópicos é que poderemos entender a complexidade das decisões emanadas por estes tribunais.
________________________________________
3 – A questão ambiental: Teoria e Prática.
A questão ambiental, que hoje aparece como um dos assuntos que devem ser discutidos tanto pelo Poder Público quanto pela coletividade, merece ser bem discutida, pois só agora o homem teve a idéia de que a sua sobrevivência está condicionada à administração racional dos recursos naturais.
GOLDEMBERG, José em "A degradação ambiental no passado". O Estado de São Paulo, p. A-2, 06.06.1995 relata que: "... a expulsão do homem do Jardim de Éden se deu pela utilização predatória dos recursos naturais... O fato de o homem ter exaurido o solo e perturbado a sua capacidade de manter as macieiras produtivas é que destruiu o Jardim de Éden e redundou a sua expulsão de lá".
Essa crise que hoje nos cerca é conseqüência da guerra travada em torno da apropriação irracional dos recursos naturais limitados para satisfação das necessidades humanas ilimitadas.
O legislador ciente da necessidade de regulamentar os valores do homem com a natureza cria a disciplina do Direito Ambiental nascida do Direito Subjetivo a um ambiente equilibrado e do Direito Objetivo, que almejava ter normas sobre este tema.
Mas há um problema para esta disciplina! Ela precisa ser consolidada no campo prático. A legislação brasileira no contexto jurídico atual é considerada uma das melhores, mas falta para esta legislação a implementação de suas normas no cotidiano da sociedade.
Vivemos então numa situação de insegurança e incerteza jurídica quando abordamos a defesa do meio ambiente, pois a legislação ambiental precisa ser implementada, não só pelo Poder Público, mas também pela sociedade, visto que ambos são igualmente responsabilizados pela Carta Magna (art. 225 caput).
Deve, então, haver um ajuste entre a legislação, planos e projetos ambientais e a concretização de políticas públicas, alocação e administração dos recursos para que possamos obter um mínimo de eficácia na solução dos problemas, pois não basta apenas um bom ordenamento jurídico, se paralelamente, não se dispuser de meios adequados e ações concretas de implementação.
Somente uma ação consciente da comunidade, guiada pelas luzes dos interesses sociais e do Direito do Ambiente é que poderemos constituir um impulso ao Poder Público.
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4 - Direito Ambiental: Conceito.
Boff, Leonardo em seu livro Saber Cuidar, ética do humano – comportamento pela Terra, 7º ed.: Petropólis: Vozes, 1999, define direito ambiental como: "conjuntos de princípios, institutos e normas sistematizadas para disciplinar o comportamento humano, objetivando o meio ambiente".
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5 – Dano Ambiental
A lei brasileira não definiu expressamente o conceito de dano ambiental, apenas delimitou as noções de degradação da qualidade ambiental – "a alteração adversa das características do meio ambiente" (1) – e poluição – "a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota (2); d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energias em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos". (3)
Édis Milaré define dano ambiental como: "A lesão aos recursos ambientais, com conseqüente degradação – alteração adversa ou in pejus – do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida" (4).
O dano ambiental, gravame típico da sociedade industrial, tem características próprias, que orientam o tratamento que as várias ordens jurídicas a ele conferem.
O dano ambiental caracteriza-se:
a)Pela pulverização de vítimas – Afeta uma pluralidade difusa de vítimas, pois o bem ambiental é bem de uso comum do povo (5).
b)Difícil reparação – Daí a importância da responsabilidade civil, que deve agir tanto na prevenção quanto na reparação. Isto porque, "na maioria dos casos, o interesse público é mais o de obstar a agressão ao meio ambiente ou obter a reparação direta e in specie do dano do que receber qualquer quantia em dinheiro para sua recomposição, mesmo porque quase sempre a consumação da lesão ambiental é irreparável". (6)
c)Difícil valoração – Nem sempre é possível o cálculo da totalidade do dano ambiental.
É necessário se instituir em nosso ordenamento jurídico-ambiental novas técnicas processuais, como a criação de uma ação revisional dos danos causados ao ambiente, sempre que os recursos advindos da condenação se mostrarem insuficientes para a completa reparação dos bens lesados.
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6 - Coisa Julgada
A Lei de Introdução do Código Civil brasileiro em seu art. 6º §3º preconiza que coisa julgada é a "decisão judicial que não cabe mais recurso". Pela coisa julgada o direito incorpora-se ao patrimônio de seu titular por força da proteção que recebe da imutabilidade da decisão judicial.
A coisa julgada segundo preconiza a Constituição Federal é um direito fundamental e uma garantia constitucional. (art. 5º XXXVI), mas que não pode ser considerada como absoluta. Ocorre que, na maioria das vezes, no processo civil, ela é vista como um instrumento de pacificação social.
Ainda que equivocada a sentença, a partir de um certo momento deveria ser considerada imutável e indiscutível, sob pena de se eternizar o conflito. (7) (princípio da segurança jurídica).
Tanto é que CHIOVENDA ensina que a coisa julgada é a "afirmação indiscutível, e obrigatória para os juízes de todos os futuros processos, duma vontade concreta da lei, que reconhece ou desconhece um bem da vida a uma das partes". Já para LIEBMAN, indubitavelmente a coisa julgada é "a imutabilidade do comando emergente de uma sentença. Não se identifica ela simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato em seu conteúdo e torna assim imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato". (8)
A doutrina brasileira tem seguido a mesma linha de pensamento a respeito do conceito de coisa julgada. Para Moacyr Amaral Santos, por exemplo, "proferida a sentença e preclusos os prazos para recursos, a sentença torna imutável (primeiro degrau – coisa julgada formal); e, em conseqüência, tornam-se imutáveis os seus efeitos (segundo grau – coisa julgada material)". (9)
Verifica-se facilmente, pelo exposto que a coisa julgada sempre foi vista como um imperativo de segurança, razão pela qual não poderia – salvo situações excepcionais, expressamente previstas em lei, e que no direito brasileiro correspondem às hipóteses de rescindibilidade. Sobre essse ponto merece referência o ensinamento de Coutore:
"Certo é que na sistemática do direito a necessidade de certeza é imperiosa; toda matéria do controle da sentença não é outra coisa, como procuramos demonstrar, senão uma luta entre as exigências da verdade e as exigências da certeza. Uma maneira de não existir o direito seria a de não se saber nunca em que consiste. Entretanto, a verdade é que, ainda assim, a necessidade de certeza deve ceder, em determinadas condições, ante a necessidade de que triunfe a verdade. A coisa julgada não é de razão natural. Antes, a razão natural parecia aconselhar o contrário: que o escrúpulo de verdade fosse mais forte que o escrúpulo de certeza; e que sempre, em face de um nova prova, ou de um fato novo fundamental e antes desconhecido, se pudesse percorrer de novo o caminho já andado, a fim de restabelecer o império da justiça":
A coisa julgada sempre foi vista como uma espécie de dogma incontestável. Uma vez esgotadas as hipóteses de impugnação da sentença, seu conteúdo se tornaria imutável e indiscutível, como um imperativo político, destinado a estabilizar as relações jurídicas, conferindo-lhes segurança.
A questão que se põe na teoria do direito processual civil é o da reavaliação da coisa julgada. Afinal, até que ponto pode valer a pena considerar-se imutável e indiscutível uma sentença?
Na seara processual civil, vários são os modos em que uma decisão judicial viola a Constituição da República, o que é absolutamente inaceitável. Com isto torna-se necessário a existência de um mecanismo de controle de constitucionalidade de tais decisões.
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7 – A questão da relativização da coisa julgada
A Carta Magna permite a relativização de suas normas para assegurar o direito a um bem jurídico de maior importância. Como exemplo, podemos citar um caso de incêndio, no qual as pessoas que estão presas numa determinada residência quebram a janela desta casa para que de lá saiam ilesas.
Ora, se a Constituição Federal permite em alguns casos a relativização, podemos concluir que normas infra-constitucionais também podem ser relativizadas. Só que algumas destas normas já permitem em seu texto a relativização. Exemplo disto, é a norma que dispõe sobre a indignidade da pessoa no caso da herança.
Embora permita-se a relativização de normas constitucionais e infra constitucionais. Há, no ordenamento jurídico brasileiro a existência de duas tendências que discutem a relativização da coisa julgada. A primeira que a nega, sob o fundamento da violação do princípio da segurança jurídica. Esta tendência tem como seu principal defensor o Ilmo. Professor Leonardo Greco (10) e a outra que afirma a necessidade de se permitir a rescisão, a qualquer tempo, de sentenças transitadas em julgado desde que sejam objetivamente desarrazoadas, cujos defensores principais são Sérgio Gilberto Porto (11) e José Maria Rosa Tesheiner (12).
Mas nenhuma dessas tendências tem-se relevado dominante. Predomina, a tendência doutrinária que permite a relativização da coisa julgada independentemente de prévia desconstituição da sentença firme, em casos excepcionais, o que abordaremos agora.
Nesse entendimento, Cândido Rangel Dinamarco em seu livro "Relativizar a coisa Julgada" entende que a coisa julgada material seria a imutabilidade dos efeitos da sentença, assim entendidas as conseqüências produzidas fora do processo, atingindo a vida das pessoas. Sustenta o processualista que existem sentenças que só produzem efeitos aparentemente, pois estes são repelidos por razões superiores, de ordem constitucional.
Na mesma linha, manifestam-se Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria (13). Estes, assinalam que "a coisa julgada não pode suplantar a lei, em tema de inconstitucionalidade, sob pena de transformá-la em um instituto mais elevado e importante que a lei e a própria Constituição. Ora, se a lei não é imune, qualquer que seja o tempo decorrido desde a sua entrada em vigor, aos efeitos negativos da inconstitucionalidade, por que o seria a coisa julgada? Estes juristas, então, sustentam que a coisa julgada é uma garantia constitucional e um direito fundamental de caráter não absoluto. Conclui-se, portanto, que a relativização da coisa julgada é permitida, o que falta saber, é quando esta ocorrerá na seara ambiental e processual civil.
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8 – Ocorrência da relativização da coisa julgada no processo civil
Inúmeros são os casos em que pode-se relativizar a coisa julgada no processo civil, a maioria delas ocorre, na ações sobre o Estado das pessoas. As ações de investigação de paternidade ajuizadas antes do implemento do exame de DNA / ADN são o melhor exemplo onde podemos visualizar melhor esta questão.
Vejamos a situação hipotética abaixo: A mãe de "A" ajuíza na época de 1980, ação de investigação de paternidade contra "B" suposto pai da criança. Seguido e respeitado todos os ritos processuais referente ao caso. Designa-se audiência de instrução e julgamento para depoimento pessoal das partes e oitiva das testemunhas. Após, concluso o feito para prolação de sentença. O juiz sentencia o feito com base na prova testemunhal. Testemunhas e fisionomias, hoje não bastam para a comprovação da paternidade. Simplesmente estabelecer que alguém é "pai" quando isto não corresponde a verdade, contraria o mais relevante dos valores constitucionais, o da dignidade humana, sendo inegável que todos têm o direito, de saber ao certo quem é ou quem não é seu ascendente biológico.
Rediscutir a ação seria então o único modo de assegurar esse direito. Neste caso, haveria ou não violação do princípio da segurança jurídica daquela decisão? Claro que não, pois no momento em que nova prova (o exame de DNA) poderá demonstrar que "B" não é mais pai de "A", a nova ação de investigação da paternidade pode ser ajuizada eis que a paternidade não foi confirmada nem mesmo excluída com elevada certeza na ação anterior e por isso não haveria razão para o seu impedimento.
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9 – Relativização da coisa julgada no direito ambiental
Embora existam no Brasil duas Varas Especializadas em Direito Ambiental, uma localizada em Corumbá -MS e a outra em Manaus – AM, não existem nessas Varas julgados sobre este interessante tema, pois as ações lá ajuizadas não chegam a essa discussão, pois logo após publicada a sentença, parte ré entra em acordo com o Ministério Público, assinando o termo de Ajustamento de Conduta.
Mas embora não exista sedimentação jurisprudencial deste tema, a própria Constituição Federal ao assegurar o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida, permite-nos concluir que a coisa julgada pode ser relativizada. Mas como isso poderá acontecer?
Pelo simples fato de que não há formação de coisa julgada contra a Constituição, se esta é a base de todo o ordenamento jurídico, e, portanto, é a fonte de validade da própria coisa julgada. Fazer valer a coisa julgada contra a Carta Magna seria negar a supmacia da fonte jurídica de nosso país.
Assim, o fato de a Constituição assegurar o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sermos favorável ao entendimento de que a coisa julgada merece ser relativizada a qualquer tempo desde que decisões violem normas constitucionais. Concluímos que as decisões ambientais transitadas em julgado que não mais assegurem um meio ambiente ecologicamente equilibrado merecem ser relativizadas. Ensejando, assim, o ajuizamento da Ação Revisional de Danos Causados ao Meio Ambiente.
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10 – Conclusão
O art. 225 da CF estatui que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
A degradação ambiental, conceituada como o processo de transformação do meio ambiente que leva à perda de suas características positivas, e até à sua extinção, deve ser combatida pelo Poder Público e pela coletividade para que haja a diminuição de seus efeitos nocivos no meio ambiente, já que a cessação dessa atividade é quase impossível, haja vista a própria natureza do ser humano.
Diante disto, necessário se faz a utilização de instrumentos de defesa do meio ambiente, já que este é considerado um bem de interesse difuso. Como exemplos desses instrumentos citamos: O direito de petição, a solicitação de unidades de conservação, a audiência pública, e cópia do EIA/RIMA, bem como outros métodos podem ser utilizados, como por exemplo, o ajuizamento da Ação Revisional de Danos Causados ao Meio Ambiente.
Embora haja em nosso ordenamento jurídico grande resistência à relativização da coisa julgada, entendemos ser esta perfeitamente possível, não só na seara processual civil mas também no direito ambiental. Pois no momento em que não mais se assegura o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado merece aquela decisão ser relativizada porque viola uma garantia constitucional e um direito fundamental expresso em nossa Lei Maior (art. 225), e que se admitirmos a formação da coisa julgada contra a Constituição, que é a base de todo ordenamento jurídico e fonte de validade da própria coisa julgada, estariamos negando a supremacia da nossa Lei Maior, o que a nosso ver se sobrepõe a tutela das condições de subsistência do próprio ser humano.
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11 – Bibliografia
BOFF, Leonardo. Saber cuidar, ética do humano – comportamento pela Terra. 7ª ed.: Petropólis: Vozes, 1999.
Breves considerações sobre a relativização da coisa julgada. Izebelle Albuquerque Costa Maia. Artigo publicado na Revista de processo repro 109 ano 28 Janeiro/Março 2003, pag. 260 a 272.
Coisa julgada e cognição secudum eventum probationis. Eduardo Cambi. Artigo publicado na Revista de processo repro 109 ano 28 Janeiro/Março 2003, pag. 71 a 96.
COUTORE, Eduardo Juan. Revocación de los actos procesuales fraudulentos. Estudios de derecho processual civil. Buenos Aires: Depalma, 1978. III.
GOLDEMBERG, José. A degradação ambiental no passado. O Estado de São Paulo, p. A-2, 06.06.1995.
HITTERS, Juan Carlos. Revision de la cosa juzgada. La Plata: Platense, 1977.
LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Efficacia ed autorità della sentenza. (reimpr), Milão: Giuffrè, 1962.
________________. Manual de direito processual civil. 2º ed., (Trad. Cândido Rangel Dinamarco), Rio de Janeiro: Forense, 1987 I.
________________ Manualle di diritto processuale civile. 4ª ed. Milão: Giufrrè, 1981.

MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 2ª ed, ver. atual. E ampl – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 10º ed. São Paulo; Saraiva, 1998.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997
MILARE´, Edis. Direito do Ambiente: Doutrina, prática, jurisprudência,glossário. 2º ed.; Rev e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. Relativizar a coisa julgada material – Cândido Rangel Dinamarco. Artigo publicado na Revista de processo repro 109 ano 28 Janeiro/Março 2003, pag. 09 a 38.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, Vol. 3. São Paulo: SARAVIA, 6ª ED, 1983
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed., revista e atualizada nos termos da Reforma Constitucional até a Emenda Constitucional n.º 24, de 09.12.1999, Malheiros Editores. 2000
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Notas
1 Lei 6.938/81, art. 3º, II.
2 Conjunto de seres vivos que habitam um determinado ambiente ecológico.
3 Lei 6.938/81, art. 3º, III.
4 Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário, 2. Ed. Ver. Atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001 p. 421/422.
5 Constituição Federal, art. 225, caput.
6 Hely Lopes Meirelles. Mandado de Segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, "habeas data". 18 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 155.
7 Enrico Tullio Liebman, Eficácia e autoridade da sentença. Rio de Janeiro: Forense, trad. Bras. De Alfredo Buzaid e Benvindo Aires, 3ª ed., 1984, p.39.
8 Liebman, Eficácia..., cit, p. 54.
9 Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de direito processual civil, vol.3. São Paulo: Saraiva, 6º ed., 1983, p.43.
10 Efeitos da declaração erga omnes de constitucionalidade ou inconstitucionalidade em relação à coisa julgada anterior, in http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documento/texto167.htm.
11 Cidadania processual e relativização da coisa julgada, in Síntese de Direito Civil e Processo Civil, vol. 22, Porto Alegre: Síntese, 2003, p.5
12 Relativização da coisa julgada, artigo publicado na Internet, in http://www.tex.pro.br/wwwroot/33de020302/relativizaçãodacoisajulgada.
13 A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, p. 133.








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Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº 348 (20.6.2004).
Elaborado em 04.2004.



Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
ZANDONA, Thiago Costa Monteiro. A relativização da coisa julgada no Direito Ambiental . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 348, 20 jun. 2004. Disponível em: . Acesso em: 30 jun. 2006.

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