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quarta-feira, 28 de novembro de 2007

CUMPRIMENTO DA SENTENÇA CONFORME A LEI 11.232 DE 2005

CUMPRIMENTO DA SENTENÇA CONFORME A LEI 11.232 DE 2005


Carlos Alberto Carmona
Professor Doutor do Departamento de Direito Processual da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Advogado em São Paulo

¹Texto (revisto pelo autor) da conferência proferida no II Seminário de Processo Civil (As Reformas Processuais) em Porto Alegre, RS, em 17 de agosto de 2006 (evento promovido pela Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região).

Como este evento é dedicado às reformas, é evidente que os senhores já devem ter começado a ouvir um comentário que, para nós do Instituto Brasileiro de Direito Processual, é extremamente irritante: dizem alguns que as reformas têm transformado o Código de Processo Civil "num verdadeiro mosaico" ou, como preferem outros, "numa colcha de retalhos". Os comentários – ácidos! – vêm sempre acompanhados de uma crítica contundente em relação a todo esse movimento de reformas do Código de Processo Civil, movimento sadio e saudável de revitalização, já que, de fato, o sistema rígido e rigoroso traçado por nossa Lei Processual acabou sendo em certa medida arranhado pelas seguidas intervenções legislativas. 

Muitos, em verdade, estão mais dispostos a folhear um belo Código de Processo Civil, que apresente legislação formalmente sistemática e harmônica (ainda que pouco funcional) ao invés de fazer esforço consistente no sentido de quebrar a rigidez da norma em prol de sua operacionalidade. Bom exemplo disso pode ser sentido nas censuras que são ouvidas ao novo artigo 285-A, que trata das causas repetitivas e da possibilidade de o juiz "reproduzir" sentença que já havia resolvido questão idêntica no mesmo juízo, sem sequer dar-se ao trabalho de citar o réu. Por que tanta surpresa? Será possível que alguém ignore o fato de que os juízes registram em seus computadores os textos das sentenças que tratam de temas repetitivos, reproduzindo-os tantas vezes quantas forem necessárias sempre que surgir causa idêntica que deva julgar? Não é razoável, então, que ao invés de o juiz revelar, depois da citação e instrução processual, a sua decisão (que já estava previamente tomada, eis que já havia decisões anteriores sobre a mesma questão de direito), faça-o antes de dar ao autor tanto trabalho para nada? Pois é, na minha visão, o art. 285-A revela bem a direção da grande reforma pela qual está passando o Código de Processo Civil: passamos da teoria à prática!

A mesma sensação de desconforto acometeu alguns juristas quando viram a nova disciplina do cumprimento da sentença (que substitui, com vantagem, a desgastada execução de título executivo judicial). A nova definição de sentença deixou muitos estudiosos atônitos, pois o art. 162, em seu revogado parágrafo primeiro, tranqüilizava os espíritos comodistas. Afinal, é confortável saber que "sentença é o ato do juiz que põe fim ao processo", não é? Pena, porém, que a definição seja falsa. Sempre foi falsa! Primeiro, a definição – originalmente capenga – só se aplicava ao processo em primeiro grau de jurisdição (ou seja, a sentença punha fim ao processo em primeira instância, sem prejuízo do prosseguimento do feito nas instâncias superiores para o esgotamento de nosso interminável sistema superposto de recursos); segundo, havia processos (muitos!) que não terminavam (nem em primeiro grau) com a prolação da sentença: bastava pensar nos despejos e nas demandas possessórias, que demandavam uma grande quantidade de atos posteriores à sentença, atos que deveriam ser praticados no mesmo processo e no mesmo juízo onde havia sido proferida a sentença que deveria por fim ao processo.

Depois da reforma implantada em 1994 (Lei 8.952/94, que alterou, entre outros, o art. 461 do Código de Processo Civil) a definição de sentença oferecida pelo Código tornou-se ainda mais insuportável: quando o legislador implantou o sistema de cumprimento de sentenças (e começou com as sentenças condenatórias de obrigação de fazer e não fazer) ficou muito claro que não haveria mais necessidade de executar tais sentenças, pois as medidas de apoio de que o juiz poderia lançar mão para fazer cumprir sua determinação seriam suficientes para arredar qualquer tentativa de resistência da parte vencida. Ora, tais medidas seriam infligidas ao vencido renitente depois da sentença e sem a necessidade de nova demanda, razão pela qual quem lia o artigo 162 não encontrava respaldo na realidade para a definição que começava a esgarçar.

Quando foi implantado o sistema de cumprimento para as sentenças condenatórias de obrigação de entregar coisa certa e coisa incerta (Lei 10.444/02), a definição do art. 162 apartou-se de vez da realidade: na medida em que o juiz, depois da sentença condenatória, deveria – se não houvesse cumprimento espontâneo da decisão – desencadear as medidas de agressão patrimonial, tudo no mesmo processo e sem provocação do vencedor, tornou-se impraticável afirmar que a sentença teria o condão de por fim ao processo. Restava, então, dar o tiro de misericórdia, o que ficou por conta da Lei 11.232/05, que varreu de vez a definição que já se tornara pó.

Lembro, de qualquer modo, que a redação atual do art.162, parágr. primeiro ("sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei") não deveria ser exatamente esta. Segundo o anteprojeto apresentado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (aprovado na Câmara dos Deputados, Projeto de Lei nº 52/04) o dispositivo deveria estar assim redigido: "Sentença é o ato proferido pelo juiz conforme os arts. 267 e 269 desta Lei". No Senado, porém, houve alteração da redação ("correção de redação", dizem), recebendo o dispositivo sua forma definitiva. Este mesmo fenômeno de "correção de redação" afetou também o art. 475-N, inciso I: segundo o anteprojeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual (aprovado na Câmara dos Deputados), o primeiro título executivo judicial seria "a sentença condenatória proferida no processo civil"; no Senado, a redação foi alterada para constar que a sentença que reconheça a existência de uma obrigação constitui título executivo judicial, de modo que, qual passe de mágica, as ações declaratórias tomaram ares de duplicidade, com graves conseqüências para o atual entendimento do art. 460 do Código de Processo Civil.

Como se vê, apesar dos cuidados com que a reforma é burilada, nem sempre é possível prever as vicissitudes dos projetos de lei durante sua tramitação nas duas casas legislativas.

Confesso, porém, para horror dos puristas, que – apesar da afronta ao art. 65 da Constituição Federal – o resultado final da intervenção anônima no Senado Federal não foi ruim. A definição de sentença atende às atuais necessidades do sistema de cumprimento recentemente implantado e o art. 475-N, inc. I, preenche, em certa medida, as expectativas daqueles que pretendem mais agilidade no processo (afinal, se o juiz reconhece a existência de uma obrigação, por que repetir grande parte do julgamento apenas para agregar à sentença a "cláusula executiva", ou seja, a aplicação da sanção que permitirá o manejo do processo de execução?).

A lenta mudança do processo de execução, portanto, iniciou em 1994, quando o legislador, ao alterar o art. 461 do Código de Processo Civil, lançou o germe que resultaria numa verdadeira desestruturação do processo de execução. De fato, a opção do legislador (Lei 8.952/94) foi a de conceder ao juiz mais poderes para fazer cumprir sua própria sentença, alterando em certa medida a estrita e rígida correlação entre pedido e sentença (princípio da congruência): com efeito, a partir de 1994 deu-se ao juiz poderes para implementar "medidas de apoio" (mecanismos de coerção que tendem a quebrar a resistência do vencido e que não dependem sequer de requerimento pela parte vencedora); estas medidas de apoio, em verdade, podem ser muito graves, e tendem a tornar a resistência do vencido tão penosa que, para ele, é melhor cumprir a sentença desde logo do que enfrentar as conseqüências da resistência. Os poderes colocados à disposição do juiz, como se percebe, facilitavam o cumprimento das sentenças (note-se: cumprimento!), dispensando a execução da decisão. Abriu-se então distinção importante entre duas técnicas de implementar as decisões judiciais (de cunho condenatório): a primeira, ligada ao processo de execução, mantinha a clássica distinção entre o processo de conhecimento e o subseqüente processo satisfativo; a segunda dispensava um processo posterior (de execução), permitindo ao juiz que prosseguisse sua atividade jurisdicional para entregar ao vencedor o bem da vida almejado (e garantido em sentença condenatória).

A primeira técnica mantém a dicotomia processo de conhecimento e processo de execução; a segunda modifica tal panorama, permitindo ao juiz que prossiga na atividade jurisdicional, que passa a ter fases distintas. E prosseguir, compreenda-se bem, significa dar andamento ao processo independentemente de pedido de parte.

Explico: julgada procedente a demanda, o juiz continua sua atividade para fazer implementar a sentença, lançando mão das medidas de que predispôs em sentença ou, não sendo elas suficientes, desencadeando em desfavor do vencido renitente outros meios de coerção indireta, até que a decisão seja integralmente cumprida.

Este método célere, forte, poderoso, foi colocado à disposição do juiz em 1994 para emprego nas sentenças condenatórias de obrigação de fazer e não fazer. O legislador de então não afirmou, à época, que desaparecia do ordenamento jurídico a ação de execução de sentença condenatória de obrigação de fazer e não fazer calcada em sentença. Foi sutil, introduzindo técnica que naturalmente daria cabo daquela espécie de execução.

Como a fórmula foi eficaz, em 2002 o legislador volta à carga (Lei 10.444/02), agora para atacar as sentenças condenatórias ligadas às obrigações de entregar coisa certa e incerta. Desta feita foi contundente: ao introduzir o método de cumprimento para essas sentenças, o legislador aboliu a execução calcada em títulos judiciais com tal conteúdo (entrega de coisa), de forma que o art. 621 declara de forma solene que a execução para entrega de coisa somente pode ter base em título executivo extrajudicial.

É importante notar que o art. 461 (e o art. 461-A, que nele também se apóia) remodela, como disse, a correlação estreita entre pedido e sentença. Digo isso porque as medidas de que o juiz pode predispor não dependem de qualquer pedido da parte vencedora. E mais: podem até mesmo contrariar a vontade da parte vencedora.
Não descarto a hipótese de o juiz desencadear contra o vencido medida violenta que afronte as convicções políticas do vencedor (imagine-se a hipótese de o juiz, para estimular o vencido a cumprir sentença condenatória de obrigação de fazer, ameaçar o fechamento da fábrica que foi obrigada a instalar equipamento antipoluente para não prejudicar a plantação do vizinho, autor da demanda): a parte não poderá, sob a capa do art. 460 do Código de Processo Civil, pleitear que o cumprimento se faça de forma mais amena segundo seu próprio ponto de vista, pois as medidas de apoio são, antes de mais nada, mecanismos de reforço a favor do Estado (não da parte!) para a implementação de ordem judicial. Em outras palavras: não cabe ao vencedor controlar os meios que o juiz empregará para obrigar o vencido a cumprir sua sentença. Trata-se, portanto, de enfoque novo (talvez fosse melhor dizer arejado) para o art. 460 mencionado, ficando claro, de qualquer modo, que o dispositivo em questão trata do pedido (bem da vida) pleiteado pelo autor e não dos meios que o juiz deverá empregar para entregar a tutela jurisdicional.

É possível então perceber-se que, três décadas depois da unificação das vias executivas, o legislador mais uma vez voltou os olhos para o sistema vigorante em 1939 (Código de Processo Civil revogado), dividindo os títulos executivos em categorias bem distintas. Assim, em 2002, o Código relacionava, de um lado, títulos que precisavam da via executiva (sentenças condenatórias de quantia certa e títulos executivos extrajudiciais), e, de outro lado, posicionava os títulos que demandavam simples cumprimento, sem necessidade de execução (sentenças condenatórias de obrigação de fazer e de entregar coisa).

Faltava tratar, portanto – até mesmo por questão de lógica e de harmonia legislativa – das sentenças condenatórias de quantia. E isto só aconteceu em 2005, com a edição da Lei 11.232.

Quando se reuniram em Brasília, em agosto de 2002, os membros do Instituto Brasileiro de Direito Processual para discutir o anteprojeto do que se transformou, anos depois, na Lei 11.232/05, propus que o método do cumprimento de sentença fosse adotado também quanto às decisões de quantia certa. Se minha proposta tivesse sido aceita, o art. 475-I, inc. I, teria a seguinte redação: "O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta Lei; tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, o cumprimento da sentença far-se-á nos termos dos demais artigos deste Capítulo, aplicando-se, no que couber, os arts. 461 e 461-A". A redação sugerida tinha o condão de colocar em patamar de igualdade todas as sentenças condenatórias, fortalecendo também para aquelas ligadas a quantia certa, os poderes do juiz. A proposta não foi acolhida, e de forma um tanto esdrúxula, diz hoje o artigo citado do Código de Processo Civil que as sentenças condenatórias de quantia serão cumpridas "por execução", numa verdadeira contradição em termos. Em conseqüência, o Código manteve para as sentenças judiciais condenatórias dois métodos diferentes de entregar o bem da vida: um método é ágil, é forte, é vigoroso, é criativo, porque deixa a critério do juiz predispor as medidas necessárias para fazer cumprir sua sentença; o outro método – da execução – é velho, é corroído, é bolorento. Por mais que se possa revitalizar o processo de execução do Livro II do Código, não haverá homogeneização entre as técnicas de cumprimento: a primeira será sempre superior à segunda.

O art. 475-N, inc. I, como já notei, trouxe alteração importante relativamente ao rol dos títulos executivos judiciais. A partir da vigência da Lei 11.232/05, portanto, as sentenças declaratórias poderão ser objeto das medidas de cumprimento predispostas na mesma lei, desde que tais sentenças declarem a existência de uma obrigação. O autor de demanda de acertamento, portanto, deve ter em mente que a improcedência de seu pedido passa a ter conseqüências mais relevantes do que a rejeição de seu pleito e o pagamento das verbas decorrentes da sucumbência. De fato, se o autor promover uma demanda objetivando a declaração de inexistência de uma obrigação de pagar quantia (tanto na esfera tributária quanto na esfera civil), a improcedência do pleito calcada na constatação da existência da obrigação constituirá, a favor do réu (e independente de pedido deste) título executivo a seu favor, aparelhando o demandado vencedor para exigir do Estado as medidas de cumprimento contra o autor.

Sugiro que os estudiosos não afirmem que o artigo 475-N, inc. I, cria uma novidade absoluta no Brasil (qual seja, a possibilidade de executar sentenças declaratórias). Creio adequada a percepção de que tenha sido introduzida uma alteração marcante do rol dos títulos, mas não exatamente uma total inovação, pois antes da reforma já era possível constatar alguns exemplos de sentenças não condenatórias que acabavam por constituir títulos executivos: o art. 76 do Código de Processo Civil mostra que o juiz que julgar procedente a demanda declarará, se for o caso, o direito do evicto ou a responsabilidade pelas perdas e danos, valendo como título executivo; o art. 899, parágr. 2º., revela que na sentença da ação consignatória, o juiz, ao concluir pela insuficiência do depósito, determinará o montante devido, valendo a sentença como título executivo; o art. 918 diz que o saldo credor declarado na sentença proferida na ação de prestação de contas poderá ser cobrado em execução. Como se vê – e o Min. Teori Zavascki já havia feito tais constatações bem antes da reforma – já existiam em nosso ordenamento jurídico exemplos de sentenças declaratórias que ensejavam execução. O legislador, portanto, limitou-se a organizar melhor o tema, seguindo aliás em boa medida sugestão que o próprio Min. Zavascki vinha insistentemente fazendo, demonstrando que muitas vezes a sentença declaratória efetivamente dispensaria a repetição do mesmo processo para acrescentar-se a sanção (concretização das medidas abstratas de invasão patrimonial).

Como técnica aceleratória do processo, a Lei 11.232/05 criou, no art. 475-J do Código de Processo Civil, uma multa a favor do credor para a hipótese de o devedor não cumprir a sentença no prazo de 15 (quinze) dias. Trata-se de dispositivo de incidência imediata e automática, que não depende de decisão do juiz: tendo fluído o prazo quinzenal sem o cumprimento da sentença, o credor, ao apresentar o cálculo do seu crédito, faz incluir o percentual (legal) de 10 % (dez por cento) sobre o valor devido, de modo que o devedor agravará sua situação com a demora no cumprimento da decisão. E não servirá ao devedor, como argumento contra a aplicação da multa, alegar momentânea dificuldade de caixa (iliquidez), pouco importando também que ofereça espontaneamente bem à constrição judicial. Não sendo paga a dívida, o devedor dará causa à necessidade de desencadearem-se medidas constritivas, o que justifica desde logo a incidência da multa, sem possibilidade de reduções ou isenções.

Além disso, é preciso identificar o momento a partir do qual a multa incidirá. Sim, pois o trânsito em julgado da sentença condenatória pode ocorrer num tribunal, sendo necessária a baixa dos autos à instância originária para, ali, cumprir-se a decisão. Isto já revela dois pontos importantes: primeiro, que só as sentenças condenatórias transitadas em julgado permitirão a aplicação da multa; segundo, que há necessidade de informar o devedor acerca da chegada dos autos à instância originária (que, afinal de contas, é o lugar onde ocorrerá o cumprimento da sentença condenatória) para que o prazo quinzenal possa fluir. Consequentemente, uma sentença declaratória poderá ensejar medidas de cumprimento, mas não haverá em tal hipótese incidência de multa (até porque a execução de tal sentença dependerá do interesse da parte, não havendo ordem do juiz de pagamento de qualquer importância); de outra parte, somente depois da cientificação do devedor (por meio da intimação de seu advogado, pela imprensa oficial) é que terá início o prazo de quinze dias para cumprimento espontâneo da decisão (findo o qual – se correr in albis – arcará o vencido com o acréscimo legal).

Insisto a respeito deste ponto: o devedor terá que ser intimado (na pessoa de seu advogado, já se viu, e pela imprensa oficial) para que fique sujeito à multa (misto de mecanismo de coerção e pena!) prevista no art. 475-J. Não seria razoável que o devedor, diante do trânsito em julgado da decisão condenatória, tivesse o ônus de dirigir-se ao tribunal, onde se encontram os autos, para lá efetuar o depósito do valor da condenação dentro da quinzena. Imagine-se que decisão transite em julgado no Supremo Tribunal Federal: teria o vencido que correr a Brasília para evitar o agravamento de sua situação? É evidente que não foi essa a intenção da Lei, que procurou agilizar e incentivar o cumprimento das sentenças, não exasperar o devedor.

Um segundo ponto que convém discutir, ainda com relação à polêmica multa inserida pelo art. 475-J, diz respeito à sua incidência – pretendia por alguns – na execução provisória de sentença (rectius, cumprimento provisório). Com efeito, pode o vencedor, se a decisão condenatória for atacada por recurso sem efeito suspensivo, iniciar desde logo (por sua conta e risco) às medidas de invasão patrimonial, para o que deverá provocar o juízo; este, se entenderem estarem presentes as condições que permitem dar início às medidas de expropriação, determinará a expedição do mandado de penhora e avaliação, sendo o devedor intimado em seguida para oferecer, se quiser, sua impugnação. Como se vê, não haverá – pelo procedimento estipulado na nova Lei – momento para cumprimento espontâneo da sentença (objetivo da multa do artigo sob foco, que visa estimular o cumprimento voluntário da decisão condenatória); como conseqüência, não há espaço para a incidência da regra.

A responsabilidade dos advogados, fica claro, acabou aumentada com a recente reforma. Esta é uma tendência das leis que sucessivamente estão alterando a feição de nosso processo civil, tendência que precisa ser acompanhada com cuidado e cautela pelos profissionais. Sabem todos que em alguns Estados da Federação (São Paulo é o exemplo acabado) os processos tendem a uma agastante demora, especialmente na segunda instância da justiça local. Isto significa que o advogado pode, durante os tempos mortos do processo (entre a interposição de um recurso de apelação e o seu julgamento podem correr cerca de 4 – quatro! – anos) perder contato com seu cliente. Julgada a causa e havendo condenação da parte por ele representada, estará criado o problema: como fará o advogado para informar seu cliente que ele, advogado, acaba de ser cientificado acerca do início do prazo quinzenal para o cumprimento voluntário da sentença, após o que incidirá a multa legal? A sugestão que faço aos advogados é de que nos contratos de honorários que celebrarem estipulem o endereço para onde deve ser dirigida qualquer correspondência ao cliente. Assim, na hipótese de o cliente não informar eventual mudança de tal endereço, terá o advogado, com o aviso dirigido ao local estipulado, cumprido (da forma possível) seu mister de informar o representado a respeito das vicissitudes do processo. A mesma dificuldade já havia sido notada, faço constar, quando foi alterado, pela Lei 10.444/02, o art.659, parágr. 5º, que determinou que, penhorado imóvel do devedor (nos casos do parágr. 4º. do mesmo artigo), seu advogado seria intimado da penhora, passando a fluir o prazo para embargar; e não custa lembrar que o art. 475-J, parágr. 1º. determina que o advogado será intimado (representando seu cliente) do auto de penhora, passando o fluir o prazo para oferecimento de impugnação. Trata-se, portanto, de advertir os profissionais para que encontrem a medida certa de manter contato com seus representados, evitando que possa o cliente, no futuro, sentir-se prejudicado por não ter sido noticiado acerca de eventos processuais que podem agravar sua situação.

Outro tema que tem gerado preocupação –especificamente da classe dos advogados – toca o problema da condenação em honorários advocatícios. Segundo a nova lei, desapareceu o processo formal de execução (ação de execução de sentença), passando a vigorar apenas uma nova fase do processo. Não havendo cumprimento espontâneo da sentença, será necessário desencadear contra o devedor resistente as medidas de expropriação predispostas no Código de Processo Civil (expedição de mandado de penhora e avaliação e medidas posteriores, preparatórias da excussão patrimonial). Incidiriam honorários nesta fase do processo? A resposta, creio eu, será encontrada com a leitura atenta do art. 20, parágrafo 4º. do Código de Processo Civil. O dispositivo indicado não determina que o juiz fixe honorários advocatícios a favor do advogado do credor apenas no processo de execução; ao contrário, refere-se o legislador, prudentemente, às execuções, embargadas ou não, reportando se aos três critérios do parágrafo 3º. do mesmo artigo (zelo profissional, lugar da prestação do serviço e dificuldade do trabalho prestado). Ora, o art. 475-I diz que, tratando-se de sentença condenatória de quantia certa, o cumprimento da sentença será feito "por execução", de modo que a concatenação técnica do texto de lei leva à conclusão de que, sendo necessário "executar" o devedor (que não cumpriu voluntariamente a sentença condenatória) deverá o juiz, levando em conta os critérios do art. 20, parágrafo 3º, fixar honorários a favor do advogado do credor. E tais honorários serão aumentados ou diminuídos, conforme a hipótese, se for manejada impugnação pelo devedor. Explico: a impugnação é agora mero incidente processual, provocando simples decisão interlocutória (a não ser que o juiz, acolhendo o pleito do devedor, extinga o processo de execução, como prevê o art. 475-M, parágr. 3º.); se a impugnação for desacolhida, é razoável que o juiz, avaliando a ampliação do trabalho desenvolvido pelo advogado do credor, alargue o valor inicialmente estabelecido para remuneração de seu trabalho; da mesma forma, se for acolhida parcialmente a impugnação, tal fato servirá para reduzir a verba honorária predisposta a favor do advogado do credor. Se a impugnação for acolhida para extinguir o processo de execução, por fim, o juiz naturalmente reverterá as verbas de sucumbência, estipulando valor que remunere os serviços do advogado do devedor impugnante.

O art. 475-J sugere-me, por outro lado, um problema operacional: tendo em vista que o descumprimento da sentença pelo vencido provocará a expedição do mandado de penhora e avaliação, logicamente os Estados deverão – para que o novo mecanismo de agilização funcione a contento – providenciar o preparo dos oficiais de justiça, pois eles também serão avaliadores. Há Estados – é o caso de São Paulo – onde os oficiais de justiça não exercem tal função e não estão preparados para a nova missão. Pior: apesar do longo prazo de vacatio legis, não houve movimentação alguma no sentido de dotar os serventuários da adequada preparação para que possam ordinariamente avaliar os bens penhorados. O resultado, é claro, será em breve sentido: nos Estados em que os meirinhos não souberem avaliar, será imprescindível nomear avaliador, com perda desnecessária de tempo e de dinheiro. Note-se que o parágr. 2º. do artigo mencionado reservou para hipóteses excepcionais ("caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados ...") a nomeação de avaliador; em Estados onde o Poder Judiciário não estiver bem organizado, o que seria exceção será regra.

Os antigos embargos à execução fundada em título executivo judicial foram transformados pela Lei 11.232/05 em mecanismo agora denominado impugnação, que pode ser manejado pelo devedor no prazo de 15 (quinze) dias a contar da intimação do auto de penhora e de avaliação. O novo mecanismo – agora um incidente na fase de cumprimento da sentença – não terá o mesmo efeito suspensivo que era ínsito aos embargos do devedor. O juiz, porém, poderá atribuir-lhe tal efeito se o devedor demonstrar fundamentos relevantes para seu ataque (ou seja, alegações ou, mais importante, provas, no sentido de atestar a ocorrência de alguma das situações arroladas no art. 475-L) e (note-se a aditiva) evidenciar que o prosseguimento da execução pode causar dano grave, de difícil ou incerta reparação. Mas ainda que seja atribuído efeito suspensivo à impugnação, pode o credor, prestando caução, requerer o prosseguimento da execução (correndo o risco, portanto, de ter que indenizar o devedor na hipótese de sucesso da impugnação). Se o efeito suspensivo for concedido, a impugnação não formará autos próprios; se o efeito suspensivo não for concedido, haverá autos apartados.

As hipóteses de admissibilidade da impugnação foram alinhadas no art. 475-L. Noto que, da antiga lista do art. 741 (depois da reforma de 2005 o artigo em questão passou a disciplinar exclusivamente os embargos à execução contra a Fazenda Pública), duas causas de embargos foram exiladas: a que tratava da cumulação indevida de execuções e aquela que tratava da incompetência do juízo da execução (além do impedimento ou suspeição do juiz). As exclusões são justificáveis. A cumulação indevida de execuções não pode mais acontecer, pois o inciso IV do antigo art. 741 objetivava impedir que o credor promovesse, cumulativamente, duas espécies distintas de execuções (com procedimentos diferentes e incompatíveis), o que não pode mais ocorrer sob o novo regime pois as sentenças condenatórias de execução de fazer, não fazer, entregar coisa certa e coisa incerta não serão mais executadas, mas sim cumpridas, e tudo isso sem a necessidade de qualquer pedido do credor. Só poderá mesmo ser formulado pedido de "execução" para sentenças condenatórias de quantia certa (é o que diz o art. 475-I). Portanto, não haverá possibilidade fática de cumular execução de sentenças de obrigação de fazer e de obrigação de pagar quantia: uma será simplesmente cumprida, a outra será "executada", na forma prevista nos artigos 475 I e seguintes (eventualmente com a invocação das regras do Livro II do Código, conforme prescreve o art. 475-R). Quanto à incompetência (inciso VII do antigo art. 741), tem-se que a perda da automática suspensividade da impugnação recomenda a utilização, quando for o caso, da exceção ritual (o que vale também para a suspeição e para o impedimento). E certamente haverá espaço para excepcionar a competência do juízo na nova técnica de cumprimento das sentenças condenatórias de quantia certa, já que a regra do parágr. único do art. 475-P permite que o credor opte, para fazer cumprir a sentença, pelo juízo do local onde se encontram os bens do devedor (sujeitos, portanto, à expropriação) ou então pelo juízo do domicílio atual do devedor, podendo este último, por certo, impugnar eventual escolha arbitrária do credor. Terá, portanto, acesso à exceção de incompetência, que haverá de ser processada na forma dos artigos 304 e seguintes do Código de Processo Civil.

A famigerada exceção de pré-executividade, não é preciso dizer, não vai desaparecer. Como a impugnação só pode ser manejada depois de garantido o juízo (mandado de penhora e avaliação cumprido e respectiva intimação do devedor) é natural que o vencido, diante do pleito do credor no sentido de expedir-se mandado de penhora e avaliação, apresente ao magistrado petição afirmando a falta de alguma das condições da ação ou de algum pressuposto processual, ou até mesmo opondo uma objeção substancial (pagamento, compensação, novação, decadência, prescrição) exibindo prova documental. Diante disso, poderá o juiz – se a alegação for fundada – extinguir o processo de execução. Mesmo diante do mero cumprimento de sentença, como é intuitivo, pode haver questão atinente às condições da ação (pense-se na ausência de legitimidade por morte do credor, substituído por herdeiro que não aquele contemplado, em partilha, com o crédito exeqüendo), ou aos pressupostos processuais (verbi gratia, o advogado signatário da petição requerendo o prosseguimento da atividade jurisdicional já havia sido destituído pelo credor) que enseje o manejo da exceção de pré-executividade. Mas é certamente com as objeções de caráter material que o mecanismo defensivo do devedor acabará brilhando na fase de cumprimento de sentença de obrigação de pagar quantia. Neste ponto não creio que a nova lei trará qualquer modificação no panorama que todos nós conhecemos hoje.

Duas palavras sobre a nova relação dos títulos executivos judiciais. O art. 475-N substituiu, com vantagem, a antiga relação que constava do art. 584 (revogado), e trouxe duas novidades relativas, inseridas no primeiro e no quinto incisos. Digo que são novidades relativas porque, como visto, a sentença proferida no processo civil que reconhece a existência de uma obrigação (primeiro inciso) já era, em certa medida, título executivo (art. 76, 899 e 918 do Código de Processo Civil) e o legislador apenas expandiu a idéia, generalizando-a para evitar perda de tempo com a repetição de atividades jurisdicionais; já o acordo extrajudicial homologado (quinto inciso do art. 475-N) estava previsto tanto na Lei dos Juizados Especiais de Pequenas Causas (Lei 7.244/84) como na subseqüente Lei dos Juizados Cíveis e Criminais (Lei 9.099/95), respectivamente nos artigos 55 e 57. Quanto a esse último tema, vale recordar que apesar de ser conhecida pelos operadores a possibilidade de as partes levarem à homologação acordo extrajudicial (para obtenção de título executivo judicial), o método não foi muito explorado, pois a homologação, na prática, apenas se refletia na restrição das matérias que o executado poderia abordar em seus eventuais embargos à execução (se fosse promovida demanda de execução por conta do descumprimento do acordo). Em outros termos, o trabalho de contratar advogado para levar à homologação o acordo extrajudicial (que, assumindo a forma do art. 585, II, poderia desde logo configurar título executivo extrajudicial) parecia não ser proporcional à vantagem que as partes poderiam auferir em termos de restrição das matérias que serviriam de base para os embargos à execução (art. 741, ao invés do art. 745). Mas depois da modificação imposta aos artigos 461 e 461-A – e, relativamente às obrigações de pagar quantia, depois da reforma recentemente incorporada ao Código de Processo – a situação passou a ser outra, pois se o título executivo for sentença judicial, não será necessário recorrer ao processo formal de execução, de modo que o cumprimento da sentença, em caso de descumprimento do acordo, propiciará ao credor maior velocidade na obtenção do bem da vida almejado.

Parece-me que o legislador efetivamente criou estímulo relevante para a homologação de acordos extrajudiciais que tratem de obrigação de pagar quantia: homologado o acordo e havendo descumprimento pelo devedor, será ele intimado para, dentro da quinzena, dar pleno cumprimento à obrigação; se assim não fizer, os atos materiais de execução deverão ter início, incidindo a multa de que trata o art. 475-J. Como se vê, em minha opinião, também para acordos homologados (sejam eles celebrados perante o juízo, sejam eles celebrados extrajudicialmente) incidirá a multa.

Encerro estas minhas considerações sobre o cumprimento da sentença lembrando que já foi aprovado na Câmara dos Deputados o projeto de lei que trata da execução de títulos extrajudiciais. Tal projeto – quando convertido em lei – dará novo arcabouço à disciplina recém reformada do cumprimento das sentenças condenatórias de quantia certa, já que as novas normas dependem subsidiariamente, por escolha legislativa (art. 475-R), do Livro II do Código de Processo Civil.



Fonte: http://www.mrtc.com.br/tool4web/site/visualizar.asp?id=32

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